No século XIX, Freud, ainda atuando como médico neurologista ficou intrigado com a histeria, até então naquela época para a medicina os sintomas eram exagerados, escandalosos e eram tidos como uma farsa para chamar a atenção. No entanto, para Freud esses sintomas eram enigmáticos e assim ele procurou decifrá-los. Esse ato o levaria a descoberta do inconsciente e a fundação da psicanálise. Sorte nossa!!
Freud vai para Paris para estudar com Charcot, onde o sistema hospitalar francês inovava no tratamento das doenças que eram tidas como nervosas, lá em Paris é possível tratar esses pacientes dentro do hospital La Salpétrière , separando-os dos outros para examiná-los, observar seus sintomas e classificá-los. E é lá que Freud assiste Charcot hipnotizar suas pacientes histéricas e assim tentar buscar uma cura para elas. Quando volta de Paris, Freud instala-se em Viena e começa seu trabalho como médico de enfermidades nervosas, seu tratamento era feito através da eletroterapia (que largou rapidamente) e a hipnose. Esta lhe dava condições de fazer uma investigação psíquica no paciente além de potencializar o efeito sugestivo.
Josef Breuer, amigo e mestre de Freud, lhe confidência que tem tratado de uma moça (O caso Anna O) através da hipnose, onde ela fala de cada um de seus sintomas até lembrar o acontecimento inicial que os teria provocado e assim a paciente é sugestionada a não ter mais aquele determinado sintoma e é desta forma que aquele sintoma desaparece. Freud acompanha Charcot em alguns desses atendimentos e começa a ver em outros pacientes tratados por ele mesmo as descobertas de Breuer.
Em 1893, Freud e Breuer publicam esses achados em “Comunicação Preliminar”, que em 1895 será incluída num livro chamado “Estudos sobre a Histeria”. Juntos concluem que os sintomas são resultados de situações traumáticas e que a hipnose faz com que os sintomas e o sofrimento se conectem com esses restos, com as lembranças, com as “reminiscências” das situações afetivas em que se formaram. As circunstâncias em que elas aconteceram, impediram ou inibiram a possibilidade de uma elaboração psíquica bem como a expressão de impulsos ou de afetos, resultando numa formação de sintomas sustentados por uma grande carga afetiva e com a hipnose havia uma recuperação mnêmica que consistia em reviver a situação traumática com toda a sua carga afetiva e assim possibilitando uma descarga dessa energia que até então estava investida em sintomas corporais.
Freud seguiu seus mestres, utilizando a hipnose, mas quando se deparou com os limites da técnica no tratamento da histeria e quando verificou que as próprias analisandas, pediam que as deixassem falar, resistindo a cair no sono hipnótico e contando seus sonhos, vai mudando a sua forma de trabalho aos poucos, passo a passo, em cada atendimento, abrindo caminho para o método psicanalítico, colocando-se então a escutar as histéricas e constata seus efeitos terapêuticos, substituindo assim a sugestão pela associação livre e pela atenção flutuante, colocando os analisandos e os responsabilizando também pelo seu processo de melhora. Desta forma faz com que as histéricas procurem nelas mesmas o caminho de seu desejo.
As histéricas são de grande importância para a psicanálise! Freud as escutou em seu sofrimento, descobriu com elas a transferência, inventou a psicanálise e deparou-se com os limites do analisável. Mas, do que falavam as histéricas? Fazendo a associação livre, as cadeias de linguagem, as levavam a falar de seu passado, na forma de reminiscências soltas, ou encadeadas, reminiscências de infância, reminiscências sexuais, dos momentos de trauma, de seus desejos incestuosos. Logo, falar era então recordar acontecimentos importantes do passado que o paciente relacionava às questões de sexo e morte. Acontecimentos importantes que muitas vezes “apareciam” como banais e por trás desses sintomas, Freud viu então que ali estavam sempre as questões do sujeito, com suas feições próprias, ou seja, pessoas diferentes tem reações diferentes diante do mesmo acontecimento. Freud se dá conta então que a histérica não esconde algo do outro, mas sim dela mesma, e que a dimensão disso é, maior para ela do que para o outro, ou seja, de uma idéia de um esquecimento intencional, Freud chegará à conclusão de que existe uma motivação inconsciente.
No entanto, chegar as lembranças não é uma tarefa fácil, implicava em atravessar obstáculos, atravessar a “resistência a rememoração”. É quando Freud percebe que quando o sujeito chega próximo de algumas lembranças ele interrompe a rememoração e é esse obstáculo que levará Freud e pensar no recalque. Que acaba se tornando um dos conceitos fundamentais da psicanálise além de nos permitir abrir várias portas e é tentando entender o mecanismo do recalque que Freud descobre o inconsciente e que também o conduz ao reconhecimento da sexualidade. No texto “O projeto de uma psicologia para neurólogos”, Freud nos diz que é pelo fato de existir um trauma anterior que as experiências recentes têm efeito traumático.
O traumático para nós, não será a cena acontecida, o que pode ter acontecido conosco, mas a lembrança da cena, que num momento posterior é capaz de desprender excitação, logo, é a lembrança que nos traumatiza. Perante a ameaça de lembrar de algo ameaçador nos defendemos e fazemos isso recalcando essa lembrança. E do que nos defendemos? O que recalcamos? O conteúdo recalcado é da ordem do sexual! Esta é uma afirmação que Freud fará do começo ao fim de sua obra e é por meio da teoria de sedução que Freud vai estabelecer a relação que existe entre o sexual e o recalque.
Em “Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa” de 1896, vemos que existem traumas na infância que são resultados da experiência de sedução por parte de um adulto ou por parte de alguma criança que pode ter sido seduzida por um adulto, os cuidadores em geral estão sempre presente nos relatos clínicos da época, freqüentemente encobridos pela figura de um pai abusador. E a cena de “sedução” é tida como se realmente tivesse acontecido. A entrada da sexualidade no mundo infantil possui um impacto que traumatiza, mesmo que sua manifestação sintomática possa vir a aparecer com o tempo.
Em 1905, nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Freud nos revela uma sexualidade infantil com seus componentes, que são as pulsões parciais, que constituem o “pequeno perverso polimorfo” que se expressa em desejos infantis entrelaçados em fantasias recalcadas, assim descobriu-se a importância da fantasia, fazendo a balança, na etiologia das neuroses e consequentemente na sua cura, pender para o lado do trabalho subjetivo, da responsabilidade do sujeito pelo que lhe acontece. As fantasias passam, assim, a ser o que está na base dos sintomas neuróticos e o que se manifesta de maneira disfarçada nos devaneios e nos sonhos.
A infância é o tempo que ocorrem os primeiros encontros e desencontros, as primeiras perguntas que darão a forma da criança no adulto, a criança que esse adulto um dia terá sido. Ficamos adultos e chegamos na “idade da razão”, mas, no entanto, o sujeito irá buscar numa infância passada a suposta razão. E o que nós lembramos de nossa infância? Muito pouco! Vejamos o que Freud nos diz sobre isso:
“De fato, somos informados de que, durante esses anos, dos quais só preservamos na memória algumas lembranças incompreensíveis e fragmentadas, reagíamos com vivacidade frente às impressões, sabíamos expressar dor e alegria de maneira humana, mostrávamos amor, ciúme e outras paixões que então nos agitavam violentamente, e até formulávamos frases que eram registradas pelos adultos como uma boa prova de discernimento e de uma capacidade incipiente de julgamento. E de tudo isso, quando adultos, nada sabemos por nós mesmos. Por que terá nossa memória ficado tão para trás em relação a nossas outras atividades anímicas? Ora, temos razões para crer que em nenhuma outra época da vida a capacidade de recepção e reprodução é maior do que justamente nos anos da infância.”(Freud, 1905, p. 164).
A psicanálise faz o sujeito falar e possibilita com que ele dê voz à criança que um dia ele foi e que estava no esquecimento. Então podemos dizer que as reminiscências que sofrem os pacientes histéricos são reminiscências infantis, trata-se então de um desejo infantil. É a criança que o homem um dia foi que ele retorna quando se sente desamparado no seu mal-estar, na sua angustia e então é instigado a falar de sua dor. A criança a que as reminiscências conduzem o sujeito é aquela criança que teve que se posicionar de alguma forma neste mundo, para esse Outro, e que se deparou com as suas dificuldades.
Na carta 69 a Fliess, datada de 21 de setembro de 1897, p 309, Freud diz: “Não acredito mais em minha neurótica (teoria das neuroses)”. Freud, aqui volta atrás em sua teoria e diz que as cenas de sedução relatadas por seus pacientes não tinham na verdade ocorrido, eram fantasias de sedução construídas por elas mesmas!! Em “Estudo autobiográfico” Freud nos fala que “os sintomas neuróticos não se enlaçavam de maneira direta a vivências efetivamente vividas, mas sim, a fantasias de desejo, e que, para a produção das neuroses tinha mais valor a realidade psíquica do que a material” (1924 a , p33). Mas é só em 1931, em “Sobre a sexualidade feminina” que Freud dirá que estas fantasias originariamente se vinculam com a sedução exercida pela mãe que se dá através dos cuidados com seu bebê.
É assim que pela primeira vez no interior dessas fantasias, Freud se depara com o complexo de Édipo, que alguns anos mais tarde vai ser o centro do complexo nodal das neuroses, dentro desta concepção da sexualidade, não se falará mais de um tempo pré-sexual, mas da sexualidade infantil operada pelo recalque da latência e o seu reaparecimento na puberdade. Ao complexo de Édipo junta-se ainda o complexo de castração, que juntos vão adquirir uma significação fundamental na formação da neurose. Mas, falaremos sobre isso em outro post!
É assim então que Freud descobriria, no próprio ato de fundação da psicanálise, ouvindo seus pacientes histéricos, as sua reminiscências, que o sintoma psíquico tem um sentido, um sentido inconsciente que lhes escapa, mas que tem um significado que é a expressão inconsciente do desejo do sujeito. Freud descobriu na clínica, ouvindo seus pacientes e na sua análise pessoal que a experiência do inconsciente é uma experiência de linguagem, pois esse sentido inconsciente do sintoma psíquico relaciona-se com a sua história, com suas questões, com seus desejos e este é indestrutível, é sexual e é infantil e diz respeito aos primeiros amores incestuosos do sujeito, desligados da consciência através do recalque.
O método de Freud não limitava-se a uma prática terapêutica, estava localizada no conhecimento, do fato de se estabelecer um sentido e portanto, da interpretação. Desta forma é que desde o início a sua experiência clínica, gira em torno do saber, na oposição entre a lembrança e o esquecimento é assim que Freud conduz e é assim que ele nos revela uma frase que é um clássico da psicanálise: “A histérica sofre de reminiscências” (Breuer; Freud, 1895).
Obs: Vocês viram que fiz questão de colocar em negrito a parte onde digo que Freud volta atrás em sua teoria? Pois bem, fiz isso, pois sempre que Freud achava que não estava certo ele voltava e "consertava" o que achava necessário! O leitor de sua obra sabe que ele nos brindou não somente com seus sucessos mas também com seus "fracassos" que ainda hoje nos norteia
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FREUD & BREUER, Sigmund & Joseph. Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar(1893). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Vol.II. Rio de Janeiro. Imago, 1996.
______. (1895). Estudos sobre a histeria. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. IX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
______. (1895). Projeto de uma psicologia para neurólogos. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Freud, S. (1896). Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. III. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
______. (1896). A Etiologia da Histeria. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. III. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
______. “Carta 69 (1897)” Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. III. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
______. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
______. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_____. (1924). Um estudo autobiográfico. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. XX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_______. (1924). A dissolução do complexo de Édipo. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
______. (1931). Sexualidade feminina. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. XX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
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