Décimo quarto filme do dinamarquês, Lars Von Trier, chega às locadoras. Ficção? Filme desastre? drama psicológico? Isso! Melancolia pode ser visto sob qualquer um desses ângulos. No começo do filme temos uma dica do que está por vir, cenas lindíssimas sobre a música de Tristão e Isolda de Richard Wagner.
A Terra está prestes a ser atingida por outro planeta, Melancolia, azul como a Terra, um duplo nosso. Duplo assim como o filme que se divide em duas partes, destinadas a duas irmãs. A primeira dedicada à Justine (Kirsten Dunst), irmã mais nova, e a segunda à Claire (Charlotte Gainsbourg), materializando assim a dualidade de uma reflexão sobre a irmandade.
Durante a festa de casamento de Justine e Michael (Alexander Skarsgard), as aparências que o casal de anfitriões Claire e John, tentam manter arduamente começam a rachar, desde o atraso dos noivos, passando pelos discursos dos pais divorciados das irmãs, o sumiço constante da noiva Justine em sua própria festa de casamento. Assim temos uma quebra das crenças convencionais de que o casamento, o sucesso profissional e financeiro possa sustentar qualquer tipo de estabilidade, seja pessoal ou coletiva.

Podemos observar também uma linha edípica, onde uma mãe desesperançosa cultiva identificações em Justine e um pai que passa pela vida da filha quase de "carona", na cena do bilhete que deixa para a filha ao ir embora "de carona" de seu casamento.
As pernas pesadas, amarradas por fios de lã não levarão Justine a uma vida interna feliz. Justine tem uma ausência materna, sofre com a falta do que jamais teve e é tomada pela melancolia, uma tristeza de não receber hoje (cena do discurso do casamento) nem quando criança o amor tão necessário para seguirmos sozinhos. Em outra tentativa Justine procura o pai - pura ausência - o mesmo não a reconhece e mais uma vez não espera por ela. Justine é só e sempre foi. De novo o vazio.
O relacionamento com a mãe é fundamental, lá estão os alicerces que precisaremos para seguir em frente. No início de nossa existência precisamos de um olhar, do reconhecimento de alguém que nos deseje e nos nomeie para mais tarde nos libertarmos desse lugar do desejo materno, saber quem somos para além do que nos desejaram, para além do que nos construíram.
Justine tinha um vazio, não uma construção. Tinha beleza, juventude, dinheiro, talento, um lindo homem apaixonado por ela, resumindo: tinha tudo para ser feliz! Tudo menos esse alicerce do qual falamos: a mãe. Então, Justine, no seu grande dia de mulher, dia do seu casamento, ela desaba, ela rui. Rui, como que devastada por um planeta destruidor, só que este não vem de outro lugar, vem de dentro de Justine.
Na segunda parte do filme o quadro de apatia de Justine, anunciado na primeira parte, logo se faz claro como uma melancolia. É o que vemos na cena em que Claire chama Justine para comer sua comida predileta, bolo de carne, e Justine diz chorando que o bolo tem gosto de cinzas. Vemos então de maneira dramática como é a vida para um melancólico: insossa, para ele não há prazer possível.
Na melancolia não vemos somente um quadro clínico, mas também uma condição d´alma e podemos sentir enquanto expectadores o desconforto que essa condição humana nos causa. Em Luto e Melancolia, Freud nos diz que no luto o estado de desânimo é provocado pela perda do ser amado e que na melancolia não há fonte tão clara dessa ferida. "A melancolia está, de alguma forma, relacionada a uma perda objetal retirada da Consciência" (Freud, (1917, p.278).
Podemos ainda pensar nas irmãs como diferentes lados de uma mesma mulher. E se fizermos isso podemos lançar mão de todo o conteúdo psicanalítico sobre o feminino. Afinal, o filme nos dá recursos para isso, pois todos os homens da história partem! O pai e o marido de Justine vão embora, o marido de Claire suicida-se, o único homem que permanece é Leo, filho de Claire, uma criança sobre os cuidados de duas mulheres.
Melancolia nos convida a várias interpretações, nos mostra que nada é mais calmo e relaxante que a esperança, seja apenas um fio dela que faz Claire relaxar ao sol ou o contrário que permite que todos esperem que a passagem do planeta seja apenas algo lindo e inesquecível.
Oposto à críticas cinematográficas podemos ler em seu texto a película pelo lado dos traços dos personagens que, para um leigo no assunto, passa raso, sem aprofundamento. Mas que, apesar disso, o Diretor nos faz sentir um pouco da dor das duas irmãs - ou dos dois lados de uma mulher, como você bem colocou.
ResponderExcluirHá também em Claire aquele 'quê' de aparentar estar sempre bem, evitando demonstrar fraqueza em todas as situações, guardando as angústias para si mesma, o que é desmoronando com a eminência da destruição do lar de nossa humanidade.
Esta vê o lado cataclísmico na órbita de Melancolia implodí-la na dor da eterna perda. Inaceitável. Justine vê no inexorável fim, a liberdade de sua melancolia.
Parabéns pelo maravilhoso texto também!
Recomendo, do mesmo Lars Von Trier, o filme "Dançando no Escuro". Uma odisséia pela dor intensa de uma personagem que tenta à duras penas, viver sempre o lado bom da existência, apesar de todas as suas mazelas e do sofrimento a ela causado por terceiros e pelos tropeços cotidianos. É impossível conter o choro durante o filme.
Olá Daniel!
ResponderExcluirPrimeiro obrigada por nos acompanhar nessa tentativa de falar sobre psicanálise e principalmente fazer comentários, pois assim a troca é melhor!
Gostei muito do filme Melancolia e queria falar dos personagens que são muito ricos. Também percebo o filme como você. Existe como disse um ordem no caos e isto dá a Justine uma Paz, paz essa que não se repete em Claire, como você mesmo disse é angustiada e teme pelo fim. Já Justine não teme o fim, pois sabe que ele dará fim ao seu sofrimento.
Como disse poderia seguir falando sobre o feminino, mas teria que fazer outro texto pq ficaria enorme! Quem sabe um outro dia...
Vou procurar o filme Dançando no escuro, pois ainda não assisti!
Obrigada pela dica e pelo comentário.
Larissa Nogueira