quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Sonhos: realizações de desejos

            A interpretação dos sonhos, o qual Freud considerou como sendo o mais importante de todos os seus livros, foi publicado em 1989, com data de impressão de 1900, pois ele queria que sua descoberta fosse associada ao início de um novo século, levou dois anos para escrevê-lo, onde edificou os principais fundamentos da teoria psicanalítica.
            O sonho é colocado por Freud como sendo o guardião do sono, pois ele que permite que continuemos dormindo ou não. Sabemos que não é qualquer estimulo externo que nos desperta quando estamos dormindo e sonhando. Por vezes esses estímulos externos entram no sonho fazendo parte dele, para justamente continuarmos dormindo. O conteúdo dos sonhos, não consiste inteiramente de situações, mas inclui também fragmentos desconexos de imagens visuais, falas e mesmo fragmentos de pensamentos não modificados. Os sonhos levam em consideração a conexão que existe entre todas as partes dos pensamentos oníricos através da combinação de todo o material numa única situação. Reproduzem a conexão lógica pela aproximação no tempo e no espaço.
            Freud afirma que os sonhos tem função de realização de desejos e aponta três origens possíveis para sonhos como realizações de desejos: 1) pode ter surgido durante o dia e por motivos externos não ter sido satisfeito (situações objetivas), 2) pode ter surgido durante o dia e ter sido reprimido (situações com relações subjetivas), 3) pode não ter conexão alguma com o período da vida diurna e ser um destes desejos que só emergem da parte censurada da mente e tornam-se ativos à noite (situações puramente psíquicas). Os desejos diurnos conscientes, só podem ser integradores de um sonho se conseguir despertar um desejo inconsciente do mesmo teor.
            O material do sonho para se tornar inteligível, na maioria das vezes, é necessário que se repita, no todo ou em partes associadas/ deslocadas, em outros sonhos. É assim que verificamos que o deslocamento é uma das realizações especificas mais notáveis na elaboração onírica. A elaboração onírica se processa na direção da simbolização de alguma representação que requer significação. É por este motivo que Freud afirma que o sonho é uma realização de desejo e que pede uma significação, uma interpretação do desejo, interpretação que visa o significado do sonho, o significado que possa situar o desejo que o sonho mostra. Essa seria então a direção do trabalho na interpretação do sonho, verificar como o desejo se apresenta no sonho e de que desejo se trata.
            É tarefa da interpretação dos sonhos substituir o sonho pelos pensamentos oníricos latentes, desembaraçando o que a elaboração onírica teceu. O que o sonhador, no relato do sonho, associa a fala, é material para a interpretação analítica do sonho, uma vez que as lembranças de sonhos são fragmentárias e falsificadas. O relato, o que é falado no sonho, é o que mais importa, e o esquecimento de sonhos deve ser visto a luz, em grande conta, do poder da censura psíquica. O esquecimento de sonhos é tendencioso e serve a finalidade da resistência.
            Esquecemos os sonhos como um todo, ou parte dele, logo após despertar, ou aos poucos no decorrer do dia. E como vimos a resistência é o principal responsável por isso, após já ter feito o possível contra o sonho durante a noite. Por outro lado o tema de um sonho, bem como alguns de seus elementos podem reaparecer num outro sonho, quando contamos, mesmo na incerteza que estamos, ao relatá-lo, sendo fiel ao seu conteúdo. Por meio (pela via e pelo percurso) da analise é possível resgatar o conteúdo e pensamentos que causaram o sonho.
            O próprio relato também pode vir censurado, sofre o efeito da censura, mas com um certo nível de elaboração, uma vez que vai abrindo para novas associações com o material que produziu o sonho. Quando o sujeito ao relatar o sonho fica em dúvida, o caminho a seguir é aquele ao qual ele acredita não ser a via para decifrá-lo, o que nos indica a censura/resistência operando. Seguir dizendo é o caminho a ser indicado ao paciente. A distorção de um sonho está diretamente ligada ao valor psíquico que aquele conteúdo tem para o sonhador e que não pode ainda ser revelado, ou está prestes a ser revelado, e logo em seguida esquecemos, não o sonho, mas as associações que foram produzidas ao despertar.
            A interpretação também não pode ser consumada de uma vez por todas, percebemos sempre o quanto os nossos sonhos voltam em determinadas associações durante o processo de análise; voltam, pois ainda requer elaborações em torno do conteúdo que o causa, isto porque os conteúdos dos sonhos se formam sustentados por uma rede de elementos (Segundo Lacan, uma rede de significantes). O que não é passível de interpretar num sonho, está ligado ao que Freud denominou de “umbigo do sonho”, o ponto onde ele mergulha no desconhecido, como diria Lacan no Real.
            Devido a censura a resistência é sempre mais intensa na vigília do que quando dormimos e a regressão se dá como efeito da articulação entre a cadeia de vigília e a cadeia latente. Chamamos de regressão quando, num sonho, uma idéia novamente se transforma na imagem sensorial da qual se derivou originalmente é um efeito da resistência que se opõe ao avanço de um pensamento para a consciência, de lembranças dotadas de grande força sensorial (pulsional). O desejo é a força propulsora do sonho. O sonho é um ato psíquico que obedece as seguintes condições para a sua formação, são elas: não serem reconhecíveis como desejo, influencia da censura, fuga da censura, apresentação das idéias em imagens (cena do sonho), condensação de material psíquico, demanda de fachada racional e inteligível.
Como já dissemos anteriormente os sonhos são realizações de desejos, ou melhor o sonho é apresentação do desejo, expressão de desejo, porque o desejo é para Freud, a única força impulsora psíquica para a formação dos sonhos, mas os sonhos não são a única via para a manifestação de desejo, por exemplo o sintoma também tem esse propósito, apesar de ter uma estrutura que reage contra o desejo, pois com o sintoma o sujeito sofre. Tanto o sonho quanto o sintoma mostram o caminho para se chegar ao que o desejo inconsciente insiste, desejos estes que se encontram recalcados por não terem sido realizados. Mas será que todos os desejos podem ser realizados? Não! por isso sonhamos.
Não é qualquer desejo não realizado na vida de vigília que produz um sonho. Um desejo inconsciente só se torna material de sonho quando articulado com algum elemento do desejo inconsciente, onde este se junta àquele para se expressar. Freud nos diz que o desejo que aparece no sonho é um desejo infantil, e segue dizendo que a censura que age entre o inconsciente e o pré – consciente, é a guardiã de nossa saúde mental. Assim a censura que é uma instância do superego é de certa forma o que baliza o que do desejo pode ser tomado acertadamente, e o que do desejo deve ser recusado, permanecendo portanto no mais profundo do recalcado.
O estado de vigília e função da consciência, o estado do sono é função do pré-consciente e o sonhar é uma função inconsciente. Dormir acontece a partir do desejo de dormir e o sonho é o guardião do sono porque neste processo, o sonho é a realização do desejo de dormir. Assim se temos desejo de dormir é o inconsciente que possibilita que esse desejo de dormir se realize. Portanto quando uma insônia se apresenta algo do desejo inconsciente é que perturba o sono.
Freud diz que o processo onírico tem permissão para começar como realização de desejo, então primeiramente o processo do sonho vem responder a esse desejo inconsciente de dormir, mas quando essa tentativa de realização de desejo fere o pré-consciente com muita violência que ele não consegue continuar dormindo, o sonho rompe o compromisso e deixa de cumprir a sua tarefa de guardião do sono. Assim, podemos pensar que nos processos de insônia é o inconsciente que não nos deixa dormir. Pode-se pensar, então, que o material que nos faz sonhar é o mesmo que nos acorda do sono.
Os pensamentos e desejos inconscientes que ameaçam acordar o sonhador são denominados como conteúdos latentes do sonho. As operações mentais inconscientes por meio das quais o conteúdo latente do sonho se transforma em sonho manifesto, dá-se o nome de elaboração do sonho. Existe um critério para determinar se estamos sonhando ou acordados, e esse é o critério puramente empírico do fato de acordarmos. Tudo o que experimentamos entre adormecer e acordar é ilusório quando, ao despertar, verificamos que estamos deitados na cama.
O sonho como realização de desejo deve trazer prazer para o sonhador. Mas e os sonhos de angústia, os pesadelos, o acordar em sobressalto? Sabemos que a relação do sonhador com seus desejos é muito peculiar, ele os repudia e os censura, e a realização desses desejos gera angústia. Se do inconsciente é liberado o que está recalcado pelo desprazer que isto já provocou, no sonho este afeto volta e gera sonhos de angústia. Grande parte das vezes que sonhamos, despertamos no ponto onde a angústia começa a ser gerada. O sonho é para realizar desejo e não para provocar angústia. Os sonhos de angústia são sonhos de conteúdo sexual cuja respectiva libido se transformou em angústia. Um desejo recalcado encontrou meio de fugir à censura, e também a distorção que a censura implica; e só ocorrem quando a censura é total ou parcialmente subjugada, pois não pode, por estar censurado, sonha produzindo um sonho de angústia por ter que passar além do censurado.
A angústia no sonho aparece como possibilidade de atravessar o recalcado, ou então acorda-se do sonho. Mas a censura, justamente, também está a serviço de proteger da angústia por isso ela promove a deformação do sonho, para que o conteúdo que forma o sonho possa emergir. Os sonhos como realizações de desejos mesmo quando são desprazeirosos são, ainda assim, realizações de desejos, pois satisfazem inclinações masoquistas.
Os desejos que se originam na infância são a força motivadora indispensável à formação dos sonhos, que se processam por ligação com os restos diurnos da atividade inconsciente, pré-consciente e consciente, as quais abandonamos pela censura, e os estímulos sensoriais externos durante o sono, possibilitando que o sono não seja interrompido pelo material bruto do sonho.
Essa ligação se dá em relação a esses elementos diurnos os quais são catexizados para possibilitar que os conteúdos recalcados apareçam, ainda que distorcidos, de forma que a energia ligada à cadeia de pensamentos se difunde por todas as vias associativas que partem dela. Aqui também é possível verificar como o processo de transferência acontece na análise. Verificamos, também, que alguns elementos dos sonhos aparecem endereçados ao analista, ligados à situação transferencial.
Quando os pensamentos conscientes e/ou pré-conscientes, tem uma ligação intensa com o conteúdo inconsciente, estes se tornam inviáveis para a formação dos sonhos e podem tomar outra direção produzindo psicopatologias, por exemplo a formação de sintomas somáticos, ou aparecem em outras formações como lapsos ou atos falhos condensando esses conteúdos. Freud enuncia o recalcamento como a evitação da lembrança de qualquer coisa que um dia foi aflitiva, feita sem esforço e com  regularidade pelo processo psíquico, de forma que a realização dos desejos infantis não mais gerariam um afeto de prazer, mas sim de desprazer; e é precisamente essa transformação do afeto ( da idéia do afeto – representação) que constitui a essência daquilo que chamamos recalcamento.
O sonho como as demais formações do inconsciente dão abertura, são o ponto de partida para novas associações de idéias. Todo sonho versa sobre o próprio sonhador. Sempre que nosso próprio ego não aparece no conteúdo do sonho, mas somente alguma pessoa estranha, podemos presumir que nosso próprio ego está oculto, por identificação, por trás dessa outra pessoa. Em geral, é necessário buscar outra fonte de pensamentos do sonho, uma fonte que esteja sob pressão da censura. Em outras ocasiões, quando nosso ego de fato aparece no sonho,  situação em que isso ocorre pode ensinar-nos que alguma outra pessoa jaz oculta, também por identificação, por trás de nosso ego.
Podemos resumir então:
O motivo do esquecimento do sonho é a censura, e o motivo da censura é a presença de desejos e idéias que seriam inaceitáveis. Esses desejos são desejos infantis e de cunho sexual, daí a necessidade da grande deformação para que seja possível seu acesso ao consciente. Os responsáveis por esta deformação é o que chamamos de “trabalho do sonho” ou “elaboração do sonho”. É esse trabalho ou elaboração que transforma o material do sonho (restos diurnos, estímulos corporais, pensamentos do sonho) através dos mecanismos de condensação e deslocamento.
Freud fala que o sonho se passa numa “outra cena” diferente daquela onde se passam as ações da vida consciente. A outra cena é o inconsciente, onde o sonho realiza uma regressão tópica, formal e temporal, transformando palavras, idéias verbais em imagens visuais, sensoriais, alucinatórias. Ao ser interpretado, decifrado, Freud descobre que a significação oculta do sonho é a realização de um desejo infantil ligado ao complexo de Édipo.
Mas o que é interpretar? Freud nos diz que é dar sentido para algo que aparentemente não tem sentido, é decifrar o significado oculto, é desvendar a significação inconsciente, é ver além do manifesto o latente. É evidenciar o conflito defensivo entre as várias instâncias psíquicas em torno de desejo inconsciente. Verificamos então, que a interpretação ainda requer um ato, pelo sujeito, de significação para o desejo que se apresenta no sonho. Então após o conceito de interpretação Freud é como a reconstituição dos aspectos reais e fantasmáticos da história infantil e inconsciente do sujeito. O que é trazido através dos diversos materiais na associação livre (sonhos, atos falhos, sintomas, fantasias, resistências, transferência) e sua posterior construção, ou melhor, sua reconstrução pelo analista, estabelecendo a possibilidade de significação e resignificação da história simbólica do sujeito.
Assim, podemos pensar que a interpretação dos sonhos não é uma obra fundamental porque trata dos sonhos, mas porque funda o psiquismo no simbólico e como tal está também pelo que não está, presença/ausência, não localizável em elementos orgânicos do sistema nervoso. O sonho é de ordem simbólica e é por isso, e não por ser um fenômeno psíquico que ele demanda uma interpretação.
Se o sonho designa toda a região das expressões de duplo sentido, o problema da interpretação designa, reciprocamente, toda a inteligência do duplo sentido, pois ela abre sempre para o equívoco e não para a certeza, é pela interpretação que o problema do símbolo se inscreve no problema da linguagem. E como o símbolo é sempre duplo, sempre enigmático, a relação entre símbolo e interpretação é intrínseca.
No capitulo VII da Interpretação dos Sonhos, a importância está na forma do aparelho como tópica temporal, isto é a posição que os sistemas ocupam um em relação aos outros, e não a localização espacial dos sistemas. Assim trata-se da articulação dinâmica de todo o aparelho e não das instâncias em si, e essa articulação não pode ser pensada sem relação com a linguagem. A memória do sonho, por ser simbólica e se expressar em texto de imagens e não de palavras, necessita ser transformada em palavras e isso se dá quando o sonho é narrado, relatado na análise e pede interpretação. As lembranças da infância que o sonho traz mostram nossos primeiros anos não como foram, mas tal como aparecem nos períodos posteriores em que as lembranças foram despertadas. Nesses períodos de despertar, as lembranças infantis não emergiram, elas foram formadas nessa época.
Nossa memória e lembranças é uma ficção retroativa, retroativamente antecipatória, que pertence de pleno direito ao reino da fantasia. O sonho faz apelo à fala, fala do sonhador e fala do outro, o intérprete. É nesse sentido que o sonho se revela texto e , especificamente mensagem. Então o objeto de atenção não é o sonho como um todo mas as partes separadas de seu conteúdo, isto por conta da deformação que se revela na própria cena.
Desde Freud os processos de condensação e deslocamento, descrito em a Interpretação dos Sonhos, correspondem as referidas leis da linguagem – a metáfora, movimento de substituição, e a metonímia, movimento de ligação, juntas são responsáveis pela elaboração do sonho, permitindo que o conteúdo latente se transforme no conteúdo manifesto do sonho. Assim para que todo o sonho seja interpretado é necessário que não tentemos entendê-lo de uma só vez, na sua totalidade, pois devido a ser formado no inconsciente só existe afetos e fragmentos da realidade, logo muito confuso no primeiro momento. 

                    

Um comentário:

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