Matéria publicada na edição de 11/03/2012, no Jornal Amazônia - PA
Pessoas que premeditam revide, com caráter de crueldade, são propensas a se tornar patológicas
Todo ser humano é capaz de cometer um ato de vingança, de acordo com a psicóloga Carolina Miralha, membro do corpo Freudiano - Escola de Psicanálise - Seção Belém. Não existe especificamente um tipo de pessoa que seja capaz de cometer um ato como esse, acrescenta a psicóloga. "O que se pode diferenciar é a forma como esta vingança será realizada - e é dessa forma que as pessoas podem ser diferenciadas", explica.
A psicóloga alerta para os casos mais graves. "Não devemos vincular vingaça à violência, mas o que torna doentio é quando este ato se torna o motivo de viver daquela pessoa", esclarece.
Nos casos de vingança cruel devemos lembrar a chamada "justiça com as próprias mãos", quando pessoas esquecem os trãmites legais e promovem o veredito e a execução da pena por conta própria.
Pessoas que premeditam vinganças, com caráter de crueldade são propensas a uma patologia, segundo Carolina Miralha. "A vingança pode vir também de forma institucionalizada - os processos jurídicos contra danos morais, por exemplo, são uma forma de tentar reparar uma injustiça causada", explica a psicóloga.
A vingança é a tentativa de restabelecimento de um equilíbrio provisoriamente quebrado, uma forma de reparação. "Isto não significa dizer que cada ato de injustiça tenha que necessariamente causar uma vingança. Devemos pensar em punir injustiças e não vingá-las", afirma Miralha.
A especialista conta que a vingança é uma forma de transferência de uma dor. "Ao buscar vingança ou punição, a vítima crê que aquele que lhe causou um dano, deve pagar na mesma medida para sinta a mesma dor e a mesma humilhação que ela experimentou ao ser lesada", fala.
Para a psicóloga, a vingança independe da maturidade do indivíduo. O ato de se vingar deve ser analisado de acordo com as experiências de vida de cada um. "Cada caso é um caso. Devemos analisar cada situação e de que forma elas geram consequências na vida do ser humano", disse Miralha.
Quem dá o troco tenta se livrar da dor
"Quando a raiva se acumula dentro das pessoas, provocando sofrimento, elas precisam se livrar dessa dor. E, muitas vezes, recorrem à vingança", explica o psiquiatra Guilherme Medina, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise. Segundo o médico, formado pela Faculdade de Medicina da USP, o revide imediato é um modo primitivo de transferir a dor para o outro. Bateu, levou. Já a vingança é mais complexa.
"Leva em consideração quem bateu, como bateu e o agente da vingança só se satisfaz com a garantia de que o outro sofreu. De um modo extremo, pode se dizer que a verdadeira vingança aniquila o outro", diz Medina. "Dependendo do motivo, se pode até perdoar a morte como consequência de um ato vingativo", diz o psiquiatra, em referência à interpretação legal de legítima defesa da honra, muito usada até a década de 1970 no país, para absolver homens que matavam em casos de adultério.
Até mesmo no Velho Testamento há referências da vingança, ou olho por olho, como algo legítimo. Para a psiquiatria, a vingança tem a ver com a maturidade de alguém suportar uma dor. "Quanto mais madura e equilibrada for uma pessoa, menos vingativa ela será", diz o psiquiatra Medina.
Pessoas vingativas revelam de imaturidade a desequilíbrio
"A vingança é um prato que se come frio". O autor dessa frase é desconhecido. Já foi atribuída a vários personagens de ficção e escritores, entre eles o francês Pierre Choderlos de Laclos (1741-1803), que escreveu "Ligações Perigosas", um romance que se passa na França do século 18 e retrata as maquinações movidas pela vingança. O tema, aliás, é um prato cheio para as inspirações literárias. Outro grande e famoso romance é "O Conde de Monte Cristo", do também francês Alexandre Dumas (1802-1870). A saga do marinheiro Edmont Dantè, que arquiteta por mais de uma década seu revide contra os três homens que o condenaram à morte em uma prisão insular, é, provavelmente, a mais famosa história que retrata uma vingança.
"O ato patológico da vingança é cometido por pessoas com estrutura emocional frágil, pessoas que não permitem nenhum tipo de castração ou frustração e que são extremamente narcisistas", explica Sergio Ignacio, membro da Sociedade Paulista de Psicanálise. "A personagem Tereza Cristina [de Christiane Torloni], da novela ‘Fina Estampa’, por exemplo, tem um código social próprio e quem o infringe está fadado a receber sua vingança. Como esse código não é o mesmo da sociedade, porque é próprio, individual, ela se vinga o tempo todo. Isso, para a psicanálise, é uma doença", diz Ignacio.
Desprezada por família rica do namorado se vinga da sogra
A engenheira Marina, de Taubaté (SP), tinha um namoro tranquilo com o fluminense Pedro (nomes fictícios), estudante de relações internacionais, quatro anos mais novo do que ela. Tudo estava tranquilo até a mãe do estudante começar a interferir no relacionamento, alegando que ela era "muito velha para ele e estava interessada na fortuna da família". Pressionado, Pedro, que dependia da mãe, terminou o namoro de dois anos.
"Em momento algum insinuei que gostaria de me casar com ele. Sempre fui independente e já tinha um bom salário. Era totalmente infundada a suspeita de que tinha a intenção de dar o golpe do baú. Além do mais, a tal fortuna que ela apregoava não existia, uma vez que a família estava em notória decadência. Eu simplesmente gostava de Pedro de um jeito que ela não poderia gostar."
Inconformada e sentindo-se desrespeitada, pela forma como foi tratada por ele e pela ex-sogra, Mariana começou a arquitetar uma vingança. Denunciou a loja da mãe do namorado, que funcionava de maneira irregular, à prefeitura da cidade e enviou uma carta anônima relatando o comportamento nada aristocrático da nova namorada de Pedro à mãe dele. "Senti-me vingada, aliviada e pude seguir em frente com a minha vida", afirma Marina, hoje casada e mãe.
A vingança está em todo o lugar, e não só na cabeça da vilã Tereza Cristina. Ela está muito presente no dia a dia das pessoas. E por que elas se vingam? "É um escapismo. No latim, vingar-se quer dizer liberar-se, clamar. É a justiça dos homens no seu estágio selvagem", diz o terapeuta. Segundo ele, a vingança acontece todo momento. No mundo social e corporativo. "Pode vir como uma frase que comprometerá alguém, um e-mail não enviado, um documento propositalmente extraviado."
O cineasta coreano Chan-wook Park realizou no início da década passada, o que ele chamou de “Trilogia da Vingança”, em três filmes – Mr. Vingança, Lady Vingança e OldBoy, de onde destaco este último. No filme, o personagem principal fica encarcerado por 15 anos de sua vida, sem ter contato algum com quem quer que seja, e muito menos sem saber o motivo pelo qual se encontra trancafiado naquele ambiente.
ResponderExcluirAo término daquele tempo, Dae-su é liberto e aí inicia sua busca pelos motivos e também pelo paradeiro de sua família; ao mesmo tempo em que o ator coadjuvante – o que está se vingando – começa a executar os próximos passos do plano arquitetado, a caça gato-e-rato até o reencontro dos dois personagens.
Ao final, é revelado a Dae-su todos os motivos que levaram seu ‘inimigo’ à trancafiá-lo, e o coadjuvante revela o porquê de tudo, e vinga-se de uma forma extremamente cruel física e psicologicamente, levando Dae-su a uma mistura de consternação e desespero que, em minha opinião, resulta no mais dramático final da história do cinema. Inesperado e, ao mesmo tempo, chocante e muito intenso.
A vingança retratada em OldBoy, mostra que Dae-su não tinha a mínima noção do mal que havia causado, e a impressão que passa ao público é que ao final – com a vingança concluída – seu inimigo se arrepende da tamanha monstruosidade que causou (e realizou) no personagem principal. Que, ao final, toda aquela maldade não valeu à pena.
Talvez, até desumano. Mas, se arquitetado e feito pelo homem, seria realmente “desumano”? Até hoje me pergunto sobre esta palavra. Mas a vingança, em minha visão 0% técnica, sem estudos no assunto, é fruto da raiva provinda da tristeza e da frustração. É a mera ação sem se pôr no lugar do próximo. Como dito no texto, “olho por olho, dente por dente”, como na lei do Antigo Testamento das sagradas escrituras, mudada juntamente com o desenvolvimento da humanidade às épocas pós-dilúvio.
Em minha visão, maior lição é o perdão. Aquele perdoar que não guarda mágoas ou rancor e nem mesmo dor alguma. É a completa volta por cima, com simplicidade, compaixão e caridade, por si mesmo e pelo próximo. É o amor acima de tudo. Acima, inclusive, de si mesmo.
Parabéns pela entrevista =)
Daniel Leite