
Uxbal tem sua morte anunciada pelo diagnóstico de uma doença terminal. E ele mantém com a morte uma curiosa relação. A morte é o personagem que dá as cartas. Uxbal é conhecido na comunidade como aquele capaz de conectar-se com os mortos, intermediando processos de desencarnação. Mas nem esse apelo nos consola. Pelo contrário, é em gestos e acenos concretos que Uxbal consegue reaver algo de sua humanidade. Reavendo a ex-esposa desequilibrada – interpretada por Maricel Álvarez – ou intercedendo pela diminuição do sofrimento daqueles que agencia, enfrentando o enigma da paternidade, que, conforme nos ensina Freud, é aonde esta os fundamentos de nossa relação com a Lei, com a moralidade, e também com a transmissão da bagagem simbólica por meio da qual a cultura humana supera a transitoriedade de existências individuais. Eis aí onde o título da obra encontra seu mais pleno acabamento.

O belo, foi compreendido sob a perspectiva do véu que recobre o horror da morte, do vazio. O “suave torpor” da beleza, na expressão de Freud, pareceu outrora o bálsamo com o qual nos consolávamos do mal-estar do mundo. Como enfrentar a morte? Como lidar com a finitude e fragilidade da nossa existência sem, no entanto perder o encanto e a paixão pela vida? Não compramos o bilhete da nossa partida definitiva, mas o que fazer quando sabemos que temos 2 a 3 meses de vida? Vida e morte caminham juntas inseparáveis, poderosas, e Uxbal nos mostra muito bem essa caminhada inevitável. Não pensamos muito na morte, até mesmo por uma defesa do ser humano, colocamos um véu ilusório que nos afasta da percepção da morte, mas que, em certas circunstancias, e num dado momento, cai o pano, e a morte se impõe, apesar de todo nosso desejo de viver.

Iñárritu, Diretor do filme, não é um moralista, mas se ele fosse, talvez Biutiful tivesse um lamento teológico por conta do destino tão doloroso, reiterando toda a nossa culpa e incitando nossa miséria perante a fúria dos deuses que insistimos em fustigar. Ou, ele também poderia se voltar a uma demonstração de vícios, depravações e outras desumanidades, no intuito de firmar o desamor e a paranoia que reivindicam seu lugar entre os mais basilares fundamentos de nossa condição existencial contemporânea. Mas não é esse o caso. O filme mostra o que há de insuportável no real que nos cerca que nos habita, e isso sem a finalidade de nos prender na conjuntura das leis divinas e “naturais”.
Não faz também que ele faça da realidade um show, um espetáculo, que classificam e hierarquizam os valores humanos reiterando a instrumentalização dos vínculos, o consumo desenfreado de si e dos objetos, o hedonismo disfarçadamente suicida e as demais respostas mercantilizadas frente ao desgosto do mundo. Mas não. O autor e diretor de Biutiful se demarca habilmente da posição do moralista, realizando um filme eticamente complexo. E que nos mostra o mínimo necessário para vermos o sonho civilizatório europeu, sua faceta recalcada.
Somos levados imediatamente, à perguntas que tanto adiamos e normalmente nem pensamos, enquanto tudo parece andar muito bem conosco. Como está nossa vida??? São tantos os afazeres, os compromissos que nem sempre temos tempo, ou temos medo de tentar colocá-la em ordem. É isso mesmo, medo! Quando pensamos, repensamos em nossos relacionamentos, nossas realizações, reavaliar a prioridade do nosso tempo, nossos desejos e em que devemos colocar verdadeira importância. Pensar em nossa vida, falar de nossos temores, nossas angustias, não é fácil, mas falaremos disso em outro post.
Muito boa visão do filme. Agradeço pelo testemunho compartilhado. Paz.
ResponderExcluir